Devido à enorme repercussão e interesse, a Copa do Mundo, sem dúvidas, atrai a atenção de muitas pessoas do mundo todo, o que gera um grande impacto nas atividades empresariais.
Tendo em vista que as partidas (sobretudo da primeira fase) da seleção brasileira acontecerão durante os dias úteis de semana, em horários comerciais, surgem dúvidas de quais os procedimentos que podem, ou não, ser adotados, principalmente em dias de jogos da seleção brasileira de futebol durante o expediente no ambiente laboral.
Afinal, as empresas podem obrigar o(a) empregado(a) a laborar no dia e em horário do jogo do Brasil? Neste dia, a propósito, o(a) funcionário(a) poderá faltar ao serviço? E se faltar, poderá ser dispensado por justa causa? E, por fim, como ficam as questões relacionadas à jornada de trabalho?
O assunto não é tão simples e, por isso, necessita de um olhar mais apurado pautado nas regras hoje existentes na legislação trabalhista.
Antes de adotar qualquer medida, o empregador deverá verificar se existe algum instrumento normativo, qual seja, Convenção Coletiva de Trabalho ou Acordo Coletivo de Trabalho prevendo tal situação.
É importante ressaltar que, a partir da Lei n° 9.093/95, a competência para decretação de feriado é conferida apenas à lei federal, estadual e municipal, de modo que não há que se falar em reconhecimento de feriado por determinação de convenção ou acordo coletivo.
Partindo do princípio de que a maioria dos instrumentos normativos sindicais não traz determinação a respeito do assunto, como o empregador detém o poder diretivo, o(a) colaborador(a) deverá seguir as suas orientações.
Pontuamos o que a Legislação apresenta:
– Não Obrigatoriedade em conceder folga.
No ordenamento jurídico brasileiro não há previsão legal para determinar a cessação das atividades por parte do empregador ou mesmo garantir que o empregado se afaste do trabalho em razão dos jogos da seleção brasileira sem prejuízo do salário.
Isso porque o artigo 473 da CLT, que traz os motivos de ausências justificadas, não elenca qualquer hipótese que possa ser aplicada aos jogos do Brasil na Copa do Mundo.
Considerando o artigo 5°, inciso II, da CF/88, que estabelece que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, salvo o disposto na lei, pode-se concluir que não havendo lei declarando feriados nos dias de jogos, os dias são úteis, assim deve o empregado trabalhar normalmente em sua carga horária diária sob pena de desconto salarial ou de aplicação de penalidade em razão da falta injustificada.
– Folga por liberalidade
Mesmo que os dias de jogos da seleção brasileira não sejam considerados como feriado nacional, o empregador por mera liberalidade tem autonomia para dispensar os empregados e considerar como se fosse feriado, conforme dispõe o artigo 6°, § 1°, alínea “b”, da Lei n° 605/49.
Dessa forma, poderá haver a dispensa:
– durante todo o dia em que ocorrerá os jogos da seleção;
– apenas durante a transmissão, permitindo que o empregado se ausente da empresa por um período razoável anterior e posterior ao jogo; ou
– estritamente no horário do jogo, disponibilizando, através de televisores dentro do estabelecimento, que os empregados assistam aos jogos.
– Desconto no salário
Destaca-se que, em todos os casos em que o empregador, por liberalidade, permitir que os empregados não trabalhem nos dias ou horários dos jogos da seleção, não há que se falar em desconto no salário.
Isso porque a paralisação do serviço ocorreu por interesse do empregador. Logo, uma vez que se trate de ausência justificada pelo empregador, nos termos do artigo 6°, § 1°, alínea “f”, da Lei n° 605/49, esse período será considerado como tempo à disposição e, com isso, remunerado em razão do artigo 4° da CLT.
– Possibilidade de troca do intervalo intrajornada para o horário do jogo
Considerando que o jogo de futebol dura em torno de 1 hora e 45 minutos (contando-se período de jogo e intervalo), questiona-se a possibilidade de alterar o horário do intervalo intrajornada para fazê-lo coincidir com o horário do jogo.
Muito embora não haja impedimento, uma vez que a lei é omissa quanto ao momento que o intervalo deve ser concedido, essa prática não é razoável, portanto não é recomendada.Isso porque o intervalo intrajornada tem como finalidade proporcionar ao empregado um momento de descanso e alimentação, a fim de evitar a fadiga e viabilizar a prestação de serviço com mais eficiência e atenção, dessa forma, preventivamente, orienta-se que o intervalo intrajornada seja concedido no meio da jornada de trabalho para que a sua finalidade seja cumprida e, caso haja essa troca, é certo que tais objetivos não serão alcançados.
– Falta injustificada
Caso o empregador entenda por não conceder dispensa das atividades nos dias de jogos, o empregado que não comparecer ou se ausentar por algumas horas poderá ter configurada a falta injustificada, permitindo o desconto no seu salário, conforme artigo 3° da CLT.
– Descanso semanal remunerado (DSR)
Ainda, caso o empregado falte ou se atrase de forma injustificada em dia de jogo, além do desconto devido referente ao dia ou às horas de falta ao trabalho, é permitido ainda o desconto do descanso semanal remunerado da semana seguinte à falta, conforme dispõe o artigo 6° da Lei n° 605/49.
– PENALIDADES
Na relação de trabalho existe uma hierarquia, na qual o empregador administra e gerencia a empresa e, por essa razão, tem o poder diretivo de aplicar penalidades aos empregados quando descumprem as obrigações contratuais. Dessa forma, caso o empregado falte ou se atrase de forma injustificada em razão do jogo da seleção do Brasil, poderá sofrer penalidades, conforme serão analisadas a seguir:
– Advertência
A advertência não tem previsão expressa na legislação trabalhista. Todavia, ela é comumente aplicada por força de usos e costumes, sendo que esses últimos são uma fonte do direito autorizada pelo artigo 8° da CLT.
Existem duas modalidades de advertência comumente utilizadas: a verbal e a escrita. Nesse sentido, entende-se como advertência um aviso que o empregador dá ao empregado de que está cometendo um descumprimento contratual e quais as punições que ele pode sofrer se repetir.
Portanto, a advertência nada mais é do que o empregador chamar a atenção, verbalmente ou por escrito, para um comportamento não prudente, é uma repreensão muitas vezes necessária com o objetivo de corrigir os desvios e evitar a aplicação de sanções com efeitos mais graves.
No período da Copa do Mundo, caso o empregado se atrase, falte ou até mesmo tenha um comportamento inadequado nas dependências da empresa, será cabível a advertência, mas sempre lembrando que o empregador deve pautar-se pelo bom senso.
– Suspensão
A suspensão disciplinar é uma medida impositiva do empregador contra o empregado como penalidade pelo descumprimento de uma regra ou dever imposto pela empresa.
Quando ocorrem faltas mais graves, é cabível a aplicação da suspensão disciplinar, seja por reincidência de faltas mais leves ou mesmo por uma nova falta grave.
A penalidade de suspensão tem o mesmo efeito de uma falta injustificada, razão pela qual, quando o empregado for punido com a suspensão disciplinar, será permitido ao empregador:
- a) descontar o DSR da semana seguinte àquela em que ocorreu a suspensão do empregado;
- b) descontar avo de férias se o empregado for suspenso por pelo menos 15 dias dentro do mês do período aquisitivo;
- c) descontar avo de 13° salário se o empregado for suspenso por pelo menos 15 dias dentro do mês calendário.
Sendo assim, cabe ao empregador analisar cada caso em que se faça necessário aplicar a suspensão, visto que, em relação à falta grave cometida, a suspensão deve ser proporcional, de maneira a não gerar prejuízos excessivos ao empregado.
Dessa forma, em caso de faltas injustificadas do empregado em razão dos jogos de futebol da seleção brasileira, o empregador, por meio de seu poder diretivo, conforme dispõe o artigo 2° da CLT, poderá aplicar as medidas disciplinares necessárias para corrigir a conduta dele, pautado sempre nos princípios da razoabilidade e do bom senso.
No mesmo sentido da advertência, é vedada a anotação da suspensão na CTPS do empregado, seja ela digital ou física, nos termos do artigo 29, § 4°, da CLT.
– COMPENSAÇÃO
De acordo com a legislação vigente, é possível que empregado e empregador realizem acordo de compensação ou banco de horas, conforme veremos a seguir
– Acordo de compensação de jornada mensal
O artigo 59 da CLT, em seus §§ 2°, 5° e 6°, estabelece que é admissível que seja pactuado acordo de compensação ou banco de horas pelo período não trabalhado nos dias de jogos da seleção brasileira de futebol.
Dessa forma, o acordo de compensação consiste em estabelecer previamente, e de forma fixa, alguns ajustes na jornada do empregado dentro do mesmo mês.
Assim, fica acordado antecipadamente o dia em que haverá trabalho extraordinário e o dia em que haverá sua compensação.
Esse acordo de compensação pode ser escrito ou tácito (verbal), porém a orientação é que seja formalizado por escrito, para prova em eventual fiscalização ou reclamatória trabalhista.
Nessa modalidade não há necessidade de assistência do sindicato.
– Banco de horas
Conforme os §§ 2° e 5° do artigo 59 da CLT, é possível que empregado e empregador também pactuem o acordo de banco de horas.
Suas regras devem estar claramente definidas por acordo escrito, mas não é necessário preestabelecer os dias em que ocorrerá a jornada extraordinária. A depender do limite para compensação, pode ser firmado por acordo individual (em até seis meses) ou decorrente de convenção coletiva (em até um ano).
À vista de todo o exposto, é imprescindível que sejam estabelecidas regras claras e transparentes de como a empresa e os empregados deverão exercer as suas atividades durante este período da Copa do Mundo, sobretudo para se evitar desentendimentos e litígios futuros.
Em arremate, em tais circunstâncias extraordinárias, e visando propiciar um meio ambiente do trabalho sobretudo saudável, deve prevalecer o bom senso, a razoabilidade e o equilíbrio das relações trabalhistas.
FONTE: Econet e Conjur.
Jornada de trabalho, faltas e justa causa na Copa do Mundo. Conjur, por Calcini, Ricardo e Moraes, Leandro B., Novembro de 2022, Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-nov-17/pratica-trabalhista-jornada-trabalho-faltas-justa-causa-copa-mundo?utm_campaign=acontece_18112022&utm_medium=email&utm_source=RD+Station;
Trabalho em dia de Copa do Mundo. Econet, Boletim Trabalhista nº 20. Outubro de 2022, Disponível em: http://www.econeteditora.com.br/index.asp?url=inicial.php#